top of page

Eu quis tirar férias! Mas, férias?! Como férias se estou desempregado?! Na verdade, é um contrassenso afirmar que estou desempregado: afinal, avancei anos na minha autobiografia. Atualizei este livro que pesa em suas mãos suaves, Maria, Santa Maria, com uma cronicazinha micha, Humor de Quaresma. Eu quereria ter falado mais da história da quaresma, da quaresma no mundo, da quaresma no Brasil, da quaresma para mim; mas enfim, escrevi e atualizei o meu livrinho de catarse. É trabalho, é trabalho. Terminei a pesquisa em Filoctetes, cujas versões li em português e em inglês. E essa pesquisa que fiz envolvia ler Aristóteles e apontar adversidades tanto em Sófocles como em Seamus Heaney, autor irlandês da versão em inglês. É trabalho, é trabalho. Venho lendo Assim falou Zaratustra todas as manhãs. Muito de sua filosofia derramou-se sobre a poesia em Flores do Pântano, o livro de poemas que estou escrevendo desde 2005. É trabalho, é trabalho. Fora as notícias de que o Irã quer produzir energia nuclear e os EUA não querem que produzam e ameaçam atacar, que esse e aquele deputado foi cassado, de que querem iniciar uma CPI do Lula, para saber se “ele sabia ou não sabia”, outras novidades inúteis sobre a vida e a natureza. Os canais de televisão nos quartos falando, o rádio de Levi tocando uma música de mau gosto pela manhã. Os filmes que assisti para

acompanhar o cinema: Crash e Diários de Motocicleta, ligar para o Guilherme e ouvir-lhe dizendo mentiras e coisas insensatas de poeta que é. Acompanhar Chiquinha nas consultas médicas, conversar com os médicos sobre os detalhes do estado dela e os cuidados. Ficar horas no site de empregos passando por diversas vagas que não têm nada a ver comigo. Encontrar, entre cem vagas, uma que me encaixe e mandar o CV. Tentar dormir à noite ouvindo a rádio Fifty- 

Two, quando não a NTCA durante e depois dOs Bardos ao longo da madrugada. Estar sabendo o que estão fazendo na política, na música, nas artes que passam na Cultura depois do jornal. Ir buscar as peças na Southern Cross para poder acompanhar o semestre que tive de cancelar por falta de verba. Estudar sozinho por falta de grana, é mole?! Mas tudo bem, é trabalho, é tudo trabalho. Mas, e a remuneração? Jacaré pagou?
Foi pensando no escravo que venho sendo do conhecimento que decidi me dar umas férias, não aquelas férias de gente grande que parte para Paris ou Fernando de Noronha, aquelas férias boas, com muito dinheiro no bolso e saúde para dar e vender, não! Nada disso! Férias reais! Fechar os olhos, tampar os ouvidos, não ler nada, não ligar a TV nem o Rádio, não telefonar para ninguém nem fazer qualquer visita, comer o mínimo possível, não ouvir nenhum CD, não acender nenhum incenso, não atender ao telefone, não ligar o computador, muito menos a Internet. Passar o dia inteiro na cama e a noite também – férias niilistas! Zerar o meu pensamento! Esquecer que faço parte do mundo para ver no que dá!
E no que deram as férias? Num desespero medonho, num desejo muito refinado de morte, mas também numa vontade de saber mais sobre mim mesmo, observar o meu corpo, ver se engordei, se emagreci se fiquei mais feio ou mais bonito nesses últimos dias. Nesta brincadeira abandonei tudo e decidi que eu precisava conhecer certo texto do Wilde. Era inadiável. Tinha tudo a ver com o momento de silêncio. Esse ensaio eu deveria ler. E o que aconteceu? O texto dizia tudo tão intensamente para mim que comecei tudo de novo: comecei mais um TRABALHO e estou no meio da tradução das trinta páginas wildianas. Santa Maria. Santa Maria! Santa Maria!

bottom of page